O sumiço de 50 milhões
Um dos processos de falência mais antigos do Brasil ainda está em curso após quase 30 anos de disputas judiciais, leilões frustrados, dívidas milionárias, mudança de administrador judicial, prisão de um ex-síndico e contestação de prestações de contas apresentadas pelos responsáveis pelo caso.
Trata-se da usina Catende, localizada na Zona da Mata de Pernambuco, detentora de ao menos nove lotes estruturados com parque industrial, armazéns, galpões, tanques, destilarias e engenho. O ativo do grupo, que em 2012 estava avaliado em 100 milhões de reais, foi a leilão por três vezes (2016, 2018 e 2022), quando arrecadou pouco mais de 7 milhões. A massa falida tem direitos creditórios contra a União em valores bem superiores.
A usina faliu em 1995, mas só encerrou definitivamente em 2012. Naquele ano, a justiça de Pernambuco chegou a anunciar a venda da Catende à Trading Ghanei Legal Consultancy, de Dubai, por 40 milhões de reais. O negócio, no entanto, não foi finalizado. Fundada em 1890, a usina mudou de nome e de donos várias vezes. Ao todo, hoje, são 16 sócios da massa falida.
O processo de falência da usina Catende, conduzido pelos juízes Arnobio Amorim Araujo Junior e Silvio Romero Beltrão, da 18ª Vara Cível da Comarca do Recife, é repleto de mistérios e controvérsias. No ano passado, por exemplo, o juiz Silvio Romero Beltrão foi acusado pelo próprio pai, o desembargador aposentado Sílvio Arruda Beltrão, de ter desfalcado a massa falida em 18 milhões de reais. O pai chamou o filho de "desonesto" e "ladrão".
Um dos mistérios da Catende diz respeito ao destino de boa parte dos recursos provenientes de títulos de dívida agrária, chamados de TDAs, que foram pagos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária em decorrência de desapropriações de terras da massa falida. Nenhum envolvido no processo explica onde foi parar o dinheiro. Uma investigação do Ministério Público Federal não chegou a qualquer conclusão. O dinheiro, em resumo, sumiu.
Os valores desaparecidos somam 52 milhões de reais. Foram depositados na Caixa Econômica Federal, mas não tiveram o destino desvendado. O que se sabe, por ora, é que o dinheiro não foi usado para pagar dívidas trabalhistas de cerca de 9 mil ex-funcionários da usina. Eles buscam na justiça esclarecimentos sobre os títulos de dívida agrária.
Os TDAs, emitidos pelo órgão, são usados pelo governo federal para financiar projetos de reforma agrária e políticas agrícolas. É a partir deles que a União paga pela desapropriação ou aquisição de imóveis rurais que são do seu interesse.
O imbróglio dos títulos requer uma cronologia. Em 2009, três anos após os depósitos do Incra, a juíza Marília Ivo Neves, da 7ª Vara da Justiça Federal em Recife, determinou que 80% dos valores decorrentes dos TDAs fossem disponibilizados à conta judicial da massa falida. No despacho, a magistrada aponta como destino uma conta no Banco do Brasil e pede que a Caixa Econômica transfira o dinheiro.
Passaram-se oito anos até a Caixa ser instada pela 18ª Vara Cível da Comarca de Recife, responsável pelo processo, a esclarecer a destinação dos valores determinados em 2009. Em ofício a que o Bastidor teve acesso, o banco informou, em 2017, que haviam sido resgatados 743 mil reais até aquela data.
No documento, a Caixa ainda diz que 6.237 títulos haviam sido resgatados e que os 509 restantes ficariam para dali a alguns meses. O banco também revela que 1.023 TDAs foram desvinculados da conta da Catende por decisão judicial. Mas não diz para onde foi o dinheiro.
A Caixa voltou a se manifestar no fim do ano passado, segundo documento obtido pelo Bastidor. Em ofício enviado ao Ministério Público Federal, o banco cita um valor de 49 mil reais em juros e resgates.
Procurada pelo Bastidor, a Caixa, em nota, disse “que não pode se manifestar sobre o tema em razão do sigilo bancário previsto na Lei Complementar n. 105/2001”.
As informações fornecidas pelo banco pouco contribuíram com as investigações do MPF. O órgão arquivou o processo em novembro de 2023 ao chegar a uma conclusão que não esclarece o destino do dinheiro proveniente dos títulos.
O MPF concentrou suas ações no Incra, e não na Caixa. Documento obtido pela reportagem mostra que o órgão encerrou as apurações sob a justificativa de que o Incra cumpriu com todas as obrigações. “Se houve algum desvio, não foi praticado pelo Incra. Pelo menos, não há indícios mínimos nesse sentido”, escreveu o procurador Luciano Sampaio Gomes Rolim.
A ausência de respostas também parte do administrador judicial do processo, José Luiz Lindoso da Silva, que é cobrado pelos credores sobre os mais de 50 milhões de reais em títulos de dívida agrária.
A sócia de Lindoso, Ana Claudia Araujo, encaminhou ao Bastidor um documento apresentado em março deste ano à 18ª Vara Cível da Comarca de Recife, com o posicionamento do escritório.
Lindoso e Ana Claudia afirmam que buscaram a justiça, o Incra e a Caixa para tratar do tema e que esses “apresentaram respostas inconclusivas, não tendo sido possível identificar se existem valores a serem transferidos”.
Dizem ainda que o Administrador Judicial anterior, Carlos Antônio Fernandes, “não apresentou prestação de contas do período de 2009 a 2012”. Ele chegou a ser preso acusado de desviar recursos da massa falida.
Os ex-funcionários da usina contestam a atuação de Lindoso e da sócia e pedem o afastamento de ambos. Alegam que, além de não receberem os créditos trabalhistas, presenciaram a completa destruição do patrimônio da usina, apesar das denúncias apresentadas.
Os credores agora vão recorrer ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) contra o suposto desvio de finalidade dos TDAs. É a última esperança para os trabalhadores receberem o que lhes é devido. Ou, ao menos, para descobrirem quem ficou com o dinheiro deles.
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