O cachimbo sem paz

Samuel Nunes
Publicada em 20/06/2024 às 19:07
Divergência de Toffoli deixa ainda mais embolado o julgamento sobre as drogas no STF Foto: Andressa Anholete/STF

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, discutiu pesado com o ministro André Mendonça, no início da sessão desta quinta-feira (20), no plenário da corte. Os magistrados estavam reunidos para retomar a discussão do processo que pode descriminalizar o porte de maconha por usuários da droga.

Barroso iniciou a sessão dizendo que recebeu, durante a manhã, uma ligação do presidente da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), na qual foi indagado se o julgamento liberaria as drogas no país. Segundo o relato, o presidente do STF informou ao religioso que tal informação era equivocada e, a partir disso, iniciou uma explicação sobre o que estava em jogo no processo.

Durante a explicação, Mendonça interrompeu e disse que o presidente da CNBB estava, sim, bem informado e que era sobre isso que se trataria a discussão na corte. Barroso se irritou com o colega e chegou a levantar a voz. Outros ministros, como Flávio Dino – que nem sequer pode votar nesse processo – intervieram e foram solidários ao presidente da corte.

Depois de quase meia hora, os ânimos se acalmaram. O ministro Dias Toffoli passou a ler seu voto. Defendeu que o porte de drogas ainda deve ser levado às instâncias criminais, mas afirmou que a eventual penalização aos usuários deve ser administrativa, sem prisão, como determina a lei atual.

Toffoli também preferiu não determinar uma quantidade objetiva do quanto de droga encontrada deveria ser considerado como porte ou tráfico. Para ele, essa decisão deve ser tomada ou pelo Congresso Nacional ou pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Como está o placar

O julgamento original fala sobre a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, promulgada em 2006. A legislação determina que é crime portar qualquer quantidade de droga, mas abre a possibilidade de distinção entre usuário e traficante.

O problema é que não há um critério objetivo determinando cada situação. Uma pesquisa levada ao plenário do STF pelo ministro Alexandre de Moraes mostrou que jovens negros, em periferias, são comumente mais associados ao tráfico do que pessoas brancas em áreas mais abastadas, portando a mesma quantidade de drogas. Segundo o ministro, a falta de objetividade da lei gera injustiça, sobretudo com a população menos favorecida.

Inicialmente, o relator, ministro Gilmar Mendes, defendeu a descriminalização do porte de qualquer tipo de drogas para consumo, mas depois reformou o entendimento e limitou o alcance apenas à maconha, como vinha sendo sugerido por outros ministros que acompanhavam o voto dele.

Nessa linha, votaram, além de Mendes, os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e a ministra aposentada Rosa Weber. Todos entendem que é inconstitucional e grave não distinguir objetivamente os usuários dos traficantes.

Cristiano Zanin foi o primeiro a abrir divergência e a considerar constitucional o trecho da lei questionada. Disse que deve ser mantido o entendimento de que se trata de um crime. Entretanto, propôs um critério objetivo para a distinção entre usuários e traficantes. O mesmo entendimento foi tomado por Kássio Nunes Marques.

O voto de André Mendonça foi o mais conservador até agora. Para ele, cabe ao Congresso Nacional definir se deve ou não descriminalizar a posse de drogas e determinar qual quantidade pode ser considerada para diferenciar usuários e traficantes.

PEC de Pacheco

A discussão em torno da descriminalização das drogas se tornou uma grande dor de cabeça para os ministros do STF. Isso porque esse tem sido considerado por críticos mais um dos casos em que a corte tenta legislar sobre temas que seriam de competência do Congresso Nacional.

Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) pretende tornar crime qualquer tipo de porte de drogas, endurecendo ainda mais a legislação atual. O tema passou com certa facilidade pelo Senado e está em discussão na Câmara dos Deputados. Apesar do esforço para conter a medida, o governo, que considera prejudicial a PEC, não conseguiu conter o avanço do projeto.

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