Copia, cola e confunde

Samuel Nunes
Publicada em 15/04/2024 às 17:52
Ministro copiou trechos de decisões, embora os casos sejam absolutamente distintos Foto: Rômulo Serpa/CNJ

As duas decisões divulgadas pelo ministro Luis Felipe Salomão, nas quais ele afasta juízes que atuaram na Lava Jato, contêm trechos que foram copiados uma da outra, apesar de se tratarem de situações completamente diferentes. Os textos também trazem pouco contexto sobre o que embasou a tomada de medidas tão drásticas contra os magistrados.

Na decisão contra Gabriela Hardt, juíza substituta da 13ª Vara Federal de Curitiba, à época da Lava Jato, Salomão imputa a ela uma série de crimes que teriam sido cometidos por causa de apenas uma decisão tomada pela magistrada, em 2019: a homologação do acordo entre a Petrobras e o Ministério Público Federal, após cooperação entre a empresa e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos. 

Nesse acordo, a petrolífera se comprometia a repassar pouco mais de 682 milhões de dólares a um fundo, que seria usado para custear, entre outras ações, o combate à corrupção no Brasil. O dinheiro seria gerido por uma entidade civil, que seria criada com a participação de membros do Ministério Público Federal.

Para Salomão, a conduta da juíza caracteriza crimes como corrupção, prevaricação e até peculato. O entendimento dele é baseado, sobretudo, no julgamento do Supremo que anulou o acordo dois meses após ele ser homologado. Os ministros da corte entenderam que o acordo violava uma série de normas nacionais e internacionais, por ter sido firmado sem a participação do Ministério da Justiça e Segurança Pública e da Advocacia-Geral da União.

Salomão levou em conta o depoimento da própria Gabriela Hardt, que assumiu ter sido informada previamente sobre os termos do acordo, dias antes da homologação. Segundo ela, outros magistrados foram consultados para opinarem sobre a iniciativa e todos disseram se tratar de uma boa ideia. Quando o pedido de homologação finalmente chegou, ela não hesitou em assinar embaixo, embora ocupasse a 13ª Vara apenas na condição de substituta. Salomão trata como escândalo a admissão de uma comunicação relativamente simples e comum no Judiciário.

"No entanto, constatou-se – com enorme frustração – que, em dado momento, tal como apurado no curso dos trabalhos, a ideia de combate a corrupção foi transformada em uma espécie de “cash back” (sic) para interesses privados, ao que tudo indica com a chancela e participação dos ora reclamados", afirmou Salomão.

A atuação de Salomão contra Hardt não é uma novidade. Em fevereiro deste ano, o ministro bateu boca com o presidente do Conselho Nacional de Justiça, ministro Luís Roberto Barroso, durante uma tentativa de reacender outro processo contra a juíza, que tratava sobre o mesmo tema. Aquela ação foi proposta pelo PT. Depois de pedido de vista, o caso segue sem resolução.

Apesar de imputar tais crimes contra a juíza na decisão em que a afastou do cargo, Salomão falhou em demonstrar claramente como a simples homologação de um acordo pode ser categorizada como um caso de corrupção. Isso porque não está demonstrado na decisão quais benefícios a juíza poderia ter obtido com a assinatura do acordo. Não há provas aparentes de qualquer vantagem.

O texto também não cita eventuais benefícios que poderiam ter sido obtidos pela outra parte na mesma ação, o ex-juiz Sergio Moro. Hoje senador pelo Paraná, era ele o titular da 13ª Vara Federal, até poucos dias antes da homologação do acordo, em 2019.

Salomão argumentou que, por ter deixado a magistratura, a situação de Moro não foi avaliada em detalhes na decisão. Segundo ele, eventuais punições ficarão ao cargo do plenário do Conselho Nacional de Justiça.

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa

Na mesma toada, quando trata dos desembargadores, Salomão demonstra ter feito um trabalho pouco cuidadoso. Em vários trechos da decisão, é possível perceber que partes foram copiadas integralmente, sem sequer haver o cuidado de separar as condutas de um processo e do outro.

Em comum com o caso de Hardt, a decisão que afastou os desembargadores Carlos Eduardo Thompson Flores Lens, Loraci Flores de Lima e o juiz Danilo Pereira Júnior das atividades no TRF4 tem apenas o fato de que todos atuaram em processos relacionados à operação Lava Jato. No mais, são situações absolutamente distintas.

Os juízes da segunda instância são acusados de terem descumprido decisões do STF, relacionadas a processos que estavam sob a guarida do juiz Eduardo Fernando Appio. O magistrado foi um dos que assumiram a 13ª Vara Federal de Curitiba, depois da saída de Sergio Moro.

Possuindo ligações com o PT, Appio tomou uma série de decisões que foram prontamente questionadas. Entre elas, determinou a abertura de uma investigação contra Moro, baseada no depoimento de Rodrigo Tacla Duran, que alega ter sido vítima de extorsão por parte do ex-juiz. Em virtude do mandato de senador, o caso foi parar no STF. Tacla Duran nunca apresentou provas; suas suspeitas foram investigadas e arquivadas. 

As reiteradas ações contra decisões anteriores de Moro levaram o MPF a pedir a suspeição de Appio. Ele assinava no sistema de Justiça como “Lul22”. Os processos foram suspensos por ordem do STF, mas o TRF4, mesmo assim, votou a suspeição do magistrado, anulando as decisões tomadas por ele à época. Com isso, pessoas como o próprio Tacla Duran, que teve a ordem de prisão retirada, voltaram a figurar na lista de procurados.

Mesmo sendo assuntos completamente diferentes, em ambas as decisões há trechos repetidos, além de uma dificuldade enorme em se apontar as razões que ensejariam o afastamento cautelar dos magistrados. 

As cópias ficam evidentes logo na ementa dos despachos, quando ao citar a natureza das atividades, Salomão chama os três de “reclamada”, tal como aparece na decisão de Hardt. “A natureza da atividade desenvolvida pela reclamada exige e impõe atuar probo, lídimo, íntegro e transparente, sendo inaceitável que, aparentemente descambando para a ilegalidade, valha-se da relevante função que o Estado lhe confiou para fazer valer suas convicções pessoais. Faz-se, portanto, inconcebível que a investigada possa prosseguir atuando, quando paira sobre ele a suspeita de que o seu atuar não seja o lídimo e imparcial agir a que se espera”.

No ponto do despacho onde começa a decisão de fato, depois do resumo feito pelo ministro, outros parágrafos são novamente copiados entre uma decisão e outra. É possível ler nas duas decisões os mesmos trechos a partir da seguinte afirmação: “É bem verdade que a denominada “operação lava jato” desbaratou um dos maiores esquemas de corrupção do país, vitimando a PETROBRAS, também seu maior acionista a União Federal, centenas de acionistas minoritários da empresa, além de terceiros atingidos direta e indiretamente pelas práticas criminosas”.

O afastamento das funções, como descrito pelo próprio Salomão, é uma medida excepcional, sobretudo quando tomada de maneira cautelar. Ele próprio lembra que é necessário haver fortes indícios de irregularidades para que tal ação seja tomada. Entretanto, o ministro não consegue detalhar claramente o motivo de retirar das funções nenhum dos magistrados, já que o caso de todos ainda precisará ser analisado pelo plenário do CNJ. 

Em vez de elucidar as eventuais falhas dos juízes e desembargadores, Salomão complica a compreensão dos fatos e abre um precedente perigoso, que mais lembra uma perseguição do que uma punição eficaz a quem eventualmente merece. Como o próprio ministro escreve em uma de suas decisões: “A natureza da atividade desenvolvida pelos reclamados exige e impõe atuar probo, lídimo, íntegro e transparente, sendo inaceitável que, aparentemente descambando para a ilegalidade, valha-se da relevante função que o Estado lhe confiou para fazer valer suas convicções pessoais”.

Leia abaixo as íntegras das decisões de Salomão e compare os textos:

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