"His greatest regret is not walking away": por dentro da condenação de Grubisich em Nova York
Em 29 de novembro, o empresário José Carlos Grubisich, por anos um dos mais admirados executivos brasileiros, terá que se apresentar à autoridade prisional de Nova York para cumprir sua pena de 20 meses em regime fechado. Grubisich, CEO da Braskem e diretor da Odebrecht no auge do megaesquema de corrupção do conglomerado, e em seguida presidente da Eldorado Celulose, também no auge dos esquemas de corrupção da família Batista, foi apresentado por acidente, nos Estados Unidos, àquilo que, no Brasil, desconhecia: Justiça por crimes de colarinho branco.
Três anos antes, em 20 de novembro de 2019, certo de que estava a salvo de investigações criminais após a morte da Lava Jato, Grubisich desembarcara no aeroporto JFK, em Nova York, para passear por uns dias com a esposa. Foi detido imediatamente. Meses antes, procuradores federais do Eastern District, em parceria com o FBI e autoridades brasileiras, como o Ministério Público e a Polícia Federal, haviam obtido um mandado de prisão sigiloso contra o executivo.
Graças ao acordo de leniência da Odebrecht e da Braskem com o Departamento de Justiça americano, em dezembro de 2016, que, por sua vez, decorrera das investigações da Lava Jato com a colaboração de autoridades suíças, os procuradores obtiveram evidências de que Grubisich participara de um esquema de corrupção, lavagem de dinheiro e fraude empresarial quando era CEO da Braskem. Esses atos violavam o FCPA, legislação anticorrupção à qual companhias que operam nos Estados Unidos precisam obedecer.
Anos antes, Grubisich recusara-se a se juntar aos 77 executivos do grupo Odebrecht que se tornariam delatores. Embora alvo de denúncia e buscas, também por suspeitas de corrupção no FI-FGTS envolvendo seu período à frente da Eldorado, o executivo ignorou as oportunidades de colaborar com a Justiça brasileira. Apostara na impunidade - aposta que dera certo nos anos seguintes, até a decisão de passar férias em Nova York.
Como revelam documentos de processos aos quais ele responde em Nova York, aos quais o Bastidor teve acesso, a decisão de Grubisich fora pragmática. Como tantos outros tubarões metidos em casos de corrupção e crimes financeiros na última década, Grubisich repatriaria silenciosa e legalmente parte de seu dinheiro estacionado em contas secretas. Acionou a Odebrecht numa corte em Nova York, pedindo 19 milhões de dólares que lhe seriam devidos pelo grupo. Prosperava ao investir ao lado de seus filhos. Chegou a ser conselheiro da gigante Halliburton.
A vida tranquila que levava em São Paulo coincidiu com o lento e inexorável desmonte do aparato de investigação e punição de crimes de colarinho branco - um fenômeno liderado pelo Supremo, com apoio dos governos Temer e Bolsonaro, além do Congresso, e que vai muito, mas muito além de qualquer caso que receba a marca fantasia "Lava Jato". Executivos que haviam topado confessar seus crimes em troca de excelentes termos invejavam a aparente astúcia de Grubisich. Alguns cumpriam suas leves penas em casa. Continuavam ricos. Mas a reputação deles jamais seria a mesma. O ex-CEO da Braskem, porém, parecia ter optado por um caminho mais vantajoso.
Após ser detido no aeroporto, Grubisich apresentou-se perante um juiz e tentou fiança para aguardar seu julgamento em liberdade. Dizia-se inocente. Os procuradores do Brooklyn, em especial Julia Nestor, insistiram com o juiz: o executivo tinha, por baixo, 63 milhões de dólares em ativos e motivos para fugir caso fosse solto. Era responsável por, segundo as evidências, aquiescer a pagamentos da Braskem ao ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e ao falecido deputado José Janene, do PP - pagamentos executados pelo departamento de propina da Odebrecht em contas secretas em paraísos fiscais, comprovados por informações bancárias. Em contrapartida, a Braskem conseguira um contrato em Paulínia com a Petrobras. E esse era apenas um dos casos.
Enquanto o juiz do caso negava a fiança em 15 minutos e ordenava que Grubisich permanecesse preso em Nova York até o julgamento, no Brasil, o mesmo PP que indicara Costa, ainda no governo Lula, para extrair 1% de propina dos contratos da Petrobras sob seu comando, ascendia no governo Bolsonaro. Costa, o "Foreign Official 1" para os procuradores americanos, caíra. Janene, o "Foreign Oficial 2", estava morto. Em seu lugar, estavam Ciro Nogueira, Arthur Lira e Aguinaldo Ribeiro, entre outros que passaram a exercer funções de chefia no partido. De sócio minoritário no mensalão e no petrolão, o PP assumia o lugar do PMDB. Ganhara cotas preferenciais no governo Bolsonaro.
Nos meses seguintes, conforme o novo PP crescia e se encaminhava para virar o principal partido de Brasília, seus líderes cada vez mais livres de problemas judiciais, Grubisich mantinha sua inocência. Com a pandemia, recebeu autorização para ficar em prisão domiciliar em Manhattan. Como o mundo estava trancado em casa, Grubisich também estava - mas com uma tornozeleira.
No Brasil, o acordo de leniência da Odebrecht seguia sendo triturado no Supremo; Kassio, indicado por Ciro, substituía o decano Celso de Mello no tribunal. Lira era beneficiado por uma denúncia retirada pela subprocuradora Lindôra Araújo, após a dissolução formal da força-tarefa da Lava Jato na PGR - que tentara, até o fim e sem sucesso, iniciar investigações sobre a suspeita de pagamentos da Odebrecht e da Braskem a intermediários do ministro Dias Toffoli, conforme evidências também disponíveis, por força da lei, ao Departamento de Justiça americano. Lira estava próximo de ser o próximo presidente da Câmara. Ciro não tardaria a assumir a Casa Civil. Na Brasília do governo Bolsonaro, estava claro quem ganhava e quem perdia.
Em Nova York, contudo, o PP ainda não tem jurisdição. Grubisich foi aconselhado por seus novos advogados a confessar seus crimes. E assim o fez, em abril deste ano, após negociação com os procuradores do Eastern District. Assumiu que participou da corrupção na Braskem e admitiu ter entregue documentos fraudados à SEC, a Securities and Exchange Comission, responsável por fiscalizar a companhia.
Salvou-se da acusação de lavagem de dinheiro. Poderia ter pego até dez anos de prisão ainda assim, como frisou o juiz numa das audiências. Mas os procuradores recomendaram uma pena de 60 meses, em virtude de sua colaboração. A defesa pedia que o tempo servido por ele até então fosse suficiente.
Antes da audiência para determinar o tamanho da sentença, a defesa de Grubisich enviou um memorando que chocou os procuradores do caso. Nele, seus advogados escreveram: "His greatest regret is not walking away" - algo interpretado por um dos investigadores como "O maior arrependimento dele é não ter deixado o esquema". Os procuradores apontaram que Grubisich não parecia arrependido de seus crimes; a defesa disse que não fora essa a intenção da frase. O fato de investigadores do FBI observarem as longas caminhadas matinais de Grubisich no Central Park, nas quais parecia feliz e contente, não contribuiu no juízo dos procuradores e agentes acerca do caráter do executivo.
Na terça, dia 12 de outubro, após uma hora e cinco minutos de deliberação, o juiz Raymond J. Dearie decidiu que Grubisich, o homem que escapou dos procuradores brasileiros mas voou involuntariamente para a prisão em Nova York, cumpriria 20 meses e depois ficaria um ano sob supervisão. Também teria que pagar multa de 1 milhão de dólares em até um mês e devolver 2,2 milhões de dólares. Dearie se assustou com a sofisticação do departamento de propinas da Odebrecht e os apelidos para identificar os beneficiários de um dos maiores esquemas de corrupção já descobertos no mundo: "Parece coisa de um filme de James Bond". Grubisich e sua mulher choraram.
As informações fornecidas pelo improvável colaborador (embora não seja esse o termo técnico) animaram os investigadores nos Estados Unidos e na Suíça. Para eles, ainda há crimes a serem investigados - agora, com a ajuda não apenas da Braskem, mas também de seu ex-CEO. No Brasil, procuradores e ex-colegas de Grubisich acreditam que ele pode, a depender da experiência na prisão e no sistema de Justiça americano, ajudar a esclarecer fatos inéditos, que ainda assombram agentes públicos envolvidos direta e indiretamente na corrupção da Odebrecht e da Braskem. Já detêm informações consideradas valiosas para grandes casos - a dúvida é se o Brasil pós-Lava Jato as aceitará como valiosas. Talvez tenham serventia apenas em tribunais do Brooklyn, de Genebra e de Lisboa.
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