Dois ombros amigos
A amizade entre o ministro André Mendonça e o deputado federal Silas Câmara (Republicanos-AM) foi fundamental para livrar o parlamentar da pena de cinco anos e três meses de prisão a qual ele estaria sujeito, caso fosse efetivamente condenado no Supremo Tribunal Federal.
Câmara é acusado pelo Ministério Público Federal de ter praticado rachadinha nos anos de 2000 e 2001, quando já era deputado federal. Segundo a denúncia, aceita pelo Supremo em 2010, ele exigia parte dos salários dos servidores que atuavam no gabinete dele, em benefício próprio, o que caracteriza o crime de peculato. O caso veio à tona depois que ex-funcionários expuseram a situação às autoridades.
O processo se arrastou por 20 anos no Judiciário. No dia 10 de novembro deste ano, o caso finalmente seria julgado pelo plenário do STF, última instância, da qual uma sentença condenatória não proporcionaria a possibilidade de novos recursos.
Durante o julgamento, o relator do caso, Luís Roberto Barroso, votou pela condenação de Silas Câmara, com pena de cinco anos e três meses, em regime semiaberto e o pagamento de multa. O ministro foi acompanhado por Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Rosa Weber. André Mendonça pediu vista e suspendeu a análise.
A ação de Mendonça foi imediatamente criticada pelos colegas durante a sessão. Apesar de muitos terem divergências entre si, as altercações em plenário são pouco comuns. Mas a irritação dos ministros tinha fundamento, já que o crime cometido por Silas Câmara prescreveria nesta sexta-feira (2).
A manobra promovida por Mendonça também externou a proximidade dele com o deputado. Em um vídeo de 2021, o ministro do STF aparece durante um culto na Assembleia de Deus, em Manaus, fazendo elogios ao deputado, a quem chamou de "ombro amigo".
“[Queria] Agradecer a um homem que vocês enviaram para Brasília, que eu conheci há cerca de 3 anos, e que se tornou essencial durante a minha caminhada, previamente à indicação, e pós-indicação até a sabatina. (...) O pastor e deputado federal Silas Câmara foi um ombro amigo que Deus enviou através de vocês para que eu pudesse chegar aonde eu cheguei. Então meu muito obrigado, deputado pastor Silas Câmara”, disse Mendonça na ocasião.
O parlamentar é pastor e um dos líderes da igreja em que Mendonça fez os elogios e um dos principais nomes da bancada evangélica na Câmara dos Deputados. Segundo Jair Bolsonaro, um dos critérios adotados para a indicação do ex-advogado-geral da União para o cargo na Suprema Corte, era o fato de ele ser "terrivelmente evangélico".
Com a iminência da prescrição, veio um novo ombro amigo: o do procurador-Geral da República, Augusto Aras. Num lance insólito, a PGR firmou um acordo de não persecução penal, ou ANPP, com a defesa de Silas Câmara. Quem assinou o acordo foi a procuradora Lindôra Araújo, vice de Aras. O PGR preferiu não se expor diretamente.
O ANPP é um instrumento novo na legislação brasileira. Como o nome indica, prevê a possibilidade de uma solução negociada entre o Ministério Público e o autor de um crime de baixo perigo, com pena abaixo de quatro anos. A ideia é evitar, embora isso seja óbvio, que a Justiça seja sobrecarregada com casos pequenos. Por isso, acontece na chamada fase pré-processual - antes que o Ministério Público ofereça denúncia. O acordo requer que a pessoa confesse o crime e devolva o que desviou.
A PGR, porém, inovou. Fechou um ANPP no finzinho de um processo que durou formalmente doze anos, período no qual o deputado sempre alegou ser inocente. Não houve qualquer economia processual: provas foram produzidas e reproduzidas durante anos. Um ANPP às vésperas de uma prescrição não é um meio de fazer a Justiça possível; é uma maneira de esculhambar um instrumento que visava precisamente o contrário.
Pelo acordo, o deputado reconheceu ter cometido o crime de peculato e se colocou a disposição para pagar a multa de R$ 242 mil, que já estava contida no relatório de Barroso. No entanto, ele não seria preso. A manobra também minimiza os estragos à imagem de Mendonça.
Barroso recebeu o pedido de homologação do acordo na quinta-feira (2) e acabou aceitando a proposta. Contudo, o ministro ressaltou que só o fez dadas as circunstâncias do caso, para garantir uma pena mínima ao deputado e o ressarcimento ao erário do dano por ele provocado.
"Embora entenda pelo não cabimento do acordo de não persecução penal após o recebimento da denúncia, as peculiaridades do caso concreto me levam a admiti-lo, em caráter excepcional. Isso porque, diante da iminência da prescrição do crime, o ANPP [Acordo de não persecução penal] se apresenta como a via mais adequada para minimizar os prejuízos ao erário", disse Barroso na decisão.
Com o acordo, Silas Câmara deverá efetuar o pagamento da multa em até 30 dias, em parcela única. Em 2023, o deputado réu confesso será reconduzido ao cargo por mais quatro anos. Nas últimas eleições, foi o quarto mais votado do Amazonas, com 125.068 votos.
Leia abaixo a íntegra da decisão de Barroso:
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