Análise: em decisão heterodoxa, Fachin destrói casos contra Lula

Diego Escosteguy
Publicada em 08/03/2021 às 17:33
Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Numa decisão estrategicamente arriscada e processualmente heterodoxa, o ministro Edson Fachin anulou - sozinho - todos os atos dos quatro principais processos criminais contra o ex-presidente Lula em Curitiba. As condenações do petista foram, consequentemente, desfeitas. Ele está livre para concorrer em 2022.

A Procuradoria-Geral da República recorrerá da decisão. Segundo ministros e assessores do Supremo, ainda é cedo para assegurar que o plenário do tribunal manterá a anulação dos processos.

A decisão monocrática de Fachin contribui para a consolidação do estado permanente de insegurança jurídica do país - obra coletiva do Supremo, sobretudo por meio de ações individuais desencontradas. Também reforça a percepção (correta e crescente) de que ministros da mais alta corte do Brasil decidem mediante cálculos políticos, em prejuízo das leis e da Constituição.

O ministro tomou a decisão após recurso da defesa de Lula - no caso, embargos de declaração em habeas corpus. O HC é de novembro do ano passado. Nele, os advogados do ex-presidente argumentavam, pela enésima vez, entre outros pontos, que a Justiça Federal do Paraná não tinha competência para decidir acerca dos crimes atribuídos pelos procuradores a Lula. Questionavam especificamente o caso da condenação pelo triplex do Guarujá.

O processo do apartamento da OAS oferecido como propina a Lula resultou na primeira condenação do petista na Lava Jato. Estava juridicamente pacificado, apesar dos recursos permanentes da defesa. Fachin mandara esse HC ainda em novembro ao plenário. Mudou de ideia após os embargos de declaração - um tipo de recurso que, em termos simples, visa a resolver questões obscuras numa decisão.

Um cálculo político - e arriscado

Por que Fachin tomou essa decisão, e por que precisamente agora? Aí que entra o cálculo político. O ministro acredita que, ao livrar Lula, pode salvar a Lava Jato - e a democracia brasileira, que ele avalia estar sob ameaça de Bolsonaro.

A operação e o ex-juiz Sergio Moro estão sob ataque intenso nas últimas semanas, desde que Ricardo Lewandowski permitiu o acesso da defesa do petista às mensagens da Vaza Jato - e, num gesto incomum ao ministro, tornou público esse processo. Essa postura aumentou substancialmente o desgaste de Moro e dos procuradores.

Com Lula sem risco de voltar à cadeia e elegível em 2022, Fachin e alguns dos defensores da Lava Jato esperam que o julgamento da suspeição de Moro não transcorra mais - ou que, no mínimo, esse julgamento aconteça sob menor pressão política. Faltou combinar com o ministro Gilmar Mendes, que prossegue com apetite e apoio político para destruir o ex-juiz e a Lava Jato.

É altamente provável que Gilmar e Kassio formem maioria na Segunda Turma do tribunal em favor da suspeição do ex-juiz. Permanecem, porém, incertas as consequências desse entendimento, caso ele seja, de fato, estabelecido.

Uma decisão heterodoxa

Se estrategicamente o movimento de Fachin é de alto risco, juridicamente a decisão vai contra o próprio entendimento do ministro sobre uma questão há muito superada no Supremo: o alcance da competência (atribuição) da Justiça Federal do Paraná nos casos da Lava Jato. Os ministros debateram esse tema extensamente em setembro de 2015.

Como Fachin reconheceu na decisão, o Supremo já assentou há anos que cabe à Justiça Federal do Paraná o julgamento dos casos de corrupção na Petrobras. Tanto que suspeitas envolvendo Lula e não relacionadas à Petrobras foram remetidas pelo Supremo à Justiça Federal de São Paulo.

Para firmar seu novo entendimento, Fachin precisou entrar no mérito das acusações do Ministério Público e dos crimes imputados a Lula. Os procuradores haviam acusado o ex-presidente de ser o chefe da organização criminosa que saqueou a Petrobras.

Essa acusação a Lula é central nas quatro investigações anuladas por Fachin. É dela que advêm as imputações de corrupção passiva ao ex-presidente. Foi por meio do controle político sobre a Petrobras, argumentam os procuradores nos quatro casos, que o megaesquema de corrupção existiu. Sem esse controle e as ordens para aparelhar a Petrobras, não se configura o crime de corrupção passiva ao petista.

Esse raciocínio e as provas reunidas em anos de investigação permeiam todos os casos. Eles envolvem o recebimento de vantagens indevidas de Lula por meio de imóveis (dois apartamentos, um sítio e um terreno) e dinheiro ao Instituto Lula - propina que veio, sobretudo, da Odebrecht e da OAS.

Em sua decisão, Fachin afirma que o caso do triplex da OAS, objeto do habeas corpus, não guarda relação apenas com crimes na Petrobras - envolveria o controle de outras estatais. O ministro amplia esse entendimento a três casos de Lula que não eram objeto do pedido da defesa.

O problema, contudo, é que essa avaliação de Fachin atropela as acusações do MP e as próprias sentenças condenatórias em dois desses processos. O despacho do ministro acaba por fortalecer a defesa de Lula. Num trecho, Fachin chega a afirmar que o caso do triplex não envolve qualquer contrato específico da OAS com a Petrobras - diz o mesmo sobre a Odebrecht. Ao afastar a competência da Justiça Federal do Paraná, Fachin afasta também, ainda de que modo inadvertido, a tese central da acusação.

Para fortalecer sua posição perante os colegas, o ministro cita longamente decisões de Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski - os maiores adversários da Lava Jato no Supremo.

Fachin, ao anular todos os atos desses quatro processos, incluindo as denúncias, despachou o que sobrou deles à Justiça Federal do Distrito Federal. Ainda é incerto se as provas colhidas no decorrer de anos ainda terão validade. A defesa de Lula provavelmente argumentará que não. Outras defesas farão o mesmo, talvez com sucesso.

É difícil vislumbrar novas condenações do petista na Justiça Federal de Brasília. A segunda instância passa a ser o Tribunal Regional Federal da Primeira Região. Ali, ao contrário do TRF da Quarta Região, onde as sentenças condenatórias de Moro foram confirmadas, predomina uma visão hostil à Lava Jato.

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